Em uma semana movimentada no universo da genética, três times diferentes de cientistas anunciaram o desenvolvimento de modelos de embriões humanos “sintéticos” em laboratório. O material foi cultivado por meio da reprogramação de células-troncos, sem a necessidade de utilização de óvulos ou espermatozoides.
Dois grupos afirmam ter conseguido avançar com o crescimento até o que seria equivalente aos 14 dias de um embrião natural, enquanto um terceiro atingiu estágios semelhantes aos vistos na quarta semana pós-fecundação.
A principal aplicação para esse tipo de pesquisa é o estudo e compreensão de doenças e outras condições durante os estágios iniciais do desenvolvimento embrionário. Problemas genéticos ou mesmo abortos espontâneos de repetição poderiam ser investigados com recurso a esse método.
Embora os cientistas enfatizem que o material criado agora em laboratório não poderia ser utilizado para gerar uma vida, as descobertas já provocam controvérsia quanto aos aspectos éticos desse tipo de trabalho.
Até agora, porém, os detalhes sobre o andamento dos trabalhos estão limitados às informações fornecidas pelos próprios autores da pesquisa. As experiências ainda não foram publicadas em revistas científicas nem passaram pela revisão por pares, uma etapa essencial para a verificação das informações e checagem de eventuais inconsistências.
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O primeiro anúncio a ganhar atenção mundial foi do grupo liderado pela professora Magdalena Zernicka-Goetz, vinculada à Universidade de Cambridge (Reino Unido) e ao Instituto de Tecnologia da Califórnia (EUA), durante a reunião anual da Sociedade Internacional para a Pesquisa em Células-Tronco, realizada na semana passada em Boston, nos Estados Unidos.
As estruturas do modelo foram criadas a partir de células-tronco embrionárias, que atingiram o princípio da chamada fase de gastrulação, quando começa a diferenciação das células para a formação das diferentes linhagens que formam o corpo humano.
Neste ponto de desenvolvimento, o embrião ainda não tem órgãos ou batimentos cardíacos, mas, de acordo com a pesquisadora, o modelo já tinha a presença de células precursoras de óvulo e espermatozoide. Em entrevista ao jornal britânico The Guardian, Zernicka-Goetz disse que o feito é inédito. “É lindo e criado inteiramente a partir de células-tronco embrionárias.”
No dia seguinte à palestra, a pesquisadora divulgou uma versão de pré-publicação do trabalho em uma plataforma especializada.
Na mesma data, o principal “rival” acadêmico do grupo na corrida pelo desenvolvimento embrionário, um time liderado por Jacob Hanna, do Instituto de Ciência Weizmann, de Israel, também apresentou um artigo de pré-publicação afirmando ter atingido resultados semelhantes.
O trabalho dos israelenses utilizou métodos similares aos descritos pelo time liderado por Zernicka-Goetz. Em artigos anteriores, ambos os grupos já haviam utilizado técnicas semelhantes para estimular células-troncos de camundongos para a formação de estruturas similares a embriões, inclusive com batimentos cardíacos.
Ainda durante a reunião anual da Sociedade Internacional para a Pesquisa em Células-Tronco, um terceiro grupo, comandado por Jitesh Neupane, do Instituto Gurdon da Universidade de Cambridge, afirmou que conseguiu ir além dos demais pesquisadores, criando um modelo de embrião humano replicando parte do estágio da terceira ou quarta semana de gestação.
O material foi cultivado a partir de células-tronco embrionárias e, posteriormente, transferido para um recipiente rotativo que serviu como uma espécie de útero artificial.
As estruturas foram deliberadamente alteradas para não terem os tecidos que compõem o saco vitelino e a placenta dos embriões naturais, o que de início já inviabiliza seu desenvolvimento até um feto. Ainda assim, a descrição apresentada por Neupane indica que o grupo conseguiu chegar ao ponto de identificar batimentos cardíacos e traços de
sangue vermelho.
“Gostaria de enfatizar que não são embriões nem estamos tentando fazer embriões, na verdade”, disse Jitesh Neupane, citado pelo Guardian. “São apenas modelos que podem ser usados para analisar aspectos específicos do desenvolvimento humano.”
Como a pesquisa com embriões humanos acima de 14 dias de desenvolvimento é vetada na maioria dos países – inclusive no Brasil –, os trabalhos têm gerado críticas sobre o cumprimento das regulações. “Para mim, a grande novidade desses estudos é que eles conseguiram cultivar as células em laboratório por muito mais tempo sem útero”, avalia a diretora do Centro de Estudos do Genoma Humano e Células-Tronco da USP, Mayana Zatz.
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A geneticista destacou também o que considera alguns pontos fracos das pesquisas, enfatizando as limitações para qualquer avaliação, uma vez que os trabalhos ainda não foram publicados em revistas científicas. A especialista critica a própria decisão de afirmar que se trata de modelos de embriões sintéticos. “É problemático falar que são sintéticos, porque são cultivados a partir de células-tronco embrionárias”, enfatizou Zatz. Especialistas de vários países têm feito ressalvas similares.
“Você tem uma primeira célula que se forma através da união do óvulo com o espermatozoide. Essa célula começa a se dividir e, até um estágio de 8 a 16 células, elas são chamadas de células-tronco embrionárias. Pelo que eu entendi, eles pegaram uma dessas células embrionárias e cultivaram em laboratório. Logo isso começou de algo que já foi fecundado, bem no início da embriogênese”, afirmou.
Edição: Ronaldo Ribeiro
Fonte: “Terra Brasil Notícias / TNH1”
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